sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Jogos


“Os companheiros gostam muito do jornal, mas José Goldman faz críticas à seção de xadrez. Não gosta de jogos em geral, especialmente os de cartas, cheios de reis, rainhas, valetes – um vício burguês. Os reis, dizia, são seres gordos e estúpidos; comem frangos inteiros, arrotam, adormecem e roncam; as rainhas, perversas, colocam veneno no vinho dos inimigos. Quanto aos valetes, as intrigas palacianas ficam a cargo deles. As mesmas restrições José Goldman faz ao xadrez. José Goldman: baixinho, ruivo e míope. Muito nervoso; quando discute, treme, e sua voz se embarga de emoção. Mayer lhe garante que os russos gostam de xadrez; José Goldman fica chocado; mas acaba por admitir, a contragosto, uma seção de xadrez em “A Voz de Nova Birobidjan”.

No fundo, contudo, crê que um dia os peões avançarão, não de casa em casa, mas a passos de gigante, derrubando reis, rainhas e bispos, seus cavalos e suas torres. Os tribunais do povo funcionarão, os réus confessarão, cabeças rolarão. O tabuleiro será a República dos Peões. Não haverá mais casas brancas e pretas; as casas serão de uma cor só e propriedade comum – se dois peões quiserem estar na mesma casa, poderão; se três quiserem, poderão; se quatro quiserem, poderão; cinco, poderão; seis, sete, vinte, poderão. Haverá lugar para todos. Na República dos Peões haverá casas, fábricas, plantações e o Palácio da Cultura – construído na antiga casa do Rei. Mas isto, no futuro...”



[SCLIAR, Moacyr. O exército de um homem só. Porto Alegre, L&PM, 2007.]

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Ano Novo

As coisas não tinham saido como o planejado, afinal, alguém planeja ter uma infecção intestinal em uma viagem e ainda por cima no dia 31 de dezembro? O destino foi então a cidade mais próxima, papo de 1400 habitantes, contando os da área rural! Final da tarde da véspera do "ano novo" em uma cidade do interior do Tocantins. Cidade pequena, igreja, praça... 

Ah! A praça! Tinha algo diferente. Uma tenda. Na tenda uma TV. Na frente da TV fileiras e mais fileras de cadeiras. Ao redor das cadeiras espectadores aos montes. Diria, quase precisamente, que os 1396 habitantes da cidadezinha. 

Ali bem próximo da pousada e afastada da praça, gritos desesperados. Uma família, no meio de uma rua esburacada e mal iluminada. Um garotinho pequenino com uma chupeta na boca, no colo de sua mãe. Seu irmão, pequeno também, carregando um carrinho e de mãos dadas com mãe, chorando, chorando de uma forma agoniante. A mãe tentava se equilibrar e desviar as crianças de um cabo de vassoura ameaçador. O pai, alcoolizado, não permitia que sua família saisse. 

Enquanto isso, na praça os demais moradores se juntam para beber, namorar, confraternizar, e claro, esquecer os problemas vendo na TV os lindos fogos do Reveillon do Rio de Janeiro. 


Feliz 2009!